Cada gaveta que eu tranco, é um sentimento encurralado.
Tem sido assim nos últimos anos: escondo lembranças para que eu possa viver em
paz com os outros, porque de mim já desisti. Mas, as memórias das coisas que ando
escondendo parecem não querer desbotar. Minha consciência e meu erros
acumulados não dão trégua e continuam a amarrotar meus dias.
As lembranças, de tão vivas, parecem pessoas que me param na rua perguntar se eu me lembro delas. "Não quero", eu digo. É tudo em vão. .elas me puxam pelo braço, me encaram de um jeito assustador e eu reconheço: sou fraca. Reviro essas gavetas com a intenção de encontrar alguma coisa que não seja minha, algum sinal alheio, um erro que não seja meu e que veio parar ali porque peguei a culpa de outro. Mas não tem jeito, tudo neles são meus, gritam meu nome e se agarram a mim como se quisessem existir de novo.
As chaves bamboleiam nas minhas mãos, quero trancar
logo esses absurdos e fugir. Sair o quanto antes de perto para que não vejam
que sou eu. Eles não precisam se mostrar para ninguém, porque todas as horas eles
vêm me visitar. E como são barulhentos!