Registro da sacada, na casa do Profº Bebeto Badke, no interior da cidade de Itaara (2008) |
Nasci numa cidade do interior [sim, por mais que eu também discorde, o Alegrete é uma cidade do interior]. Com seus 88 mil habitantes a minha terra que fica pros lados da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, é reconhecidamente [só pra não dizerem que tou me exibindo] o maior município em extensão territorial do Estado. Podem olhar no mapa aqui.
Morei lá por quase 19 anos e convivia com aquelas histórias inerentes às cidades em que quase todo mundo conhece todo mundo. A vida exposta, os diz-que-me-diz acontecendo e os boatos sempre muito bem alimentados.
Uma das minhas primas que nasceu e morou por anos no Baita Chão [uma das designações para Alegrete], e que há alguns anos reside em Brasília, ficou curiosa em saber como as pessoas podiam saber tanto da vida das outras. Pois bem, ela mesma me respondeu isso um tempinho depois. Ficou sentada na sacada depois do almoço por algumas horas e viu o ir e vir do povo: o senhor que foi ao mercado e voltou carregado de sacolas; a mãe que levou a filha na escola e foi multada por ter estacionado em local proibido... e por ai vai. Moral da tarde passada na sacada: o nada para fazer te dá essa oportunidade de cuidar da vida dos outros. Ela, que não para nunca, viu o que as pessoas que tem um tempo mais livre fazem: cuidam da vida alheia.
Depois morei em Santa Maria [que com sua população flutuante de quase 300 mil habitantes, nem arrisco de chamar de interior... mas é]. Mas dessa vez vamos pular a cidade da Boca do Monte, sair da Região Central e irmos para a Região Noroeste.
E cá estou eu em Três de Maio. São 22 mil habitantes numa cidade de meia idade e população de origem alemã, italiana e polonesa. Ou seja, eu que sou origem de uma mistura histórica de espanhóis-portugueses-índios-negros, sou visivelmente um ser estranho neste ninho.
Logo que cheguei aqui os olhares tentavam descobrir quem era aquela pessoinha de cabelo preto, sem a altura das alemoas e com a pele cor de cuia. Parecia que eu tinha a palavra ‘forasteira’ colada na testa. Mas enfim, hoje já tenho para quem dar ‘oi’ na rua e já sou convidada para os aniversários. Êba!
Mas o interior também tem seu interior. No Alegrete quem mora pra fora [da cidade] é chamado de bacudo. Aqui em Três de Maio, como a maioria mora em terras pequenas [as colônias], é colono mesmo. E esses dias conversando com uma colona da minha idade [23 anos], descobri que ela tem 2 filhos e está grávida do 3º. Levemente assustada com a situação perguntei por que casou e teve tudo isso de filhos tão nova. E ela, com a vozinha baixa me disse: “Aqui no interior é assim, não tem muito o que fazer. Ou vai morar fora e estuda ou faz que nem eu...casa e tem filho pra ocupar o tempo”.
Realidades do interior que estão esperando por mudanças.
Parabéns, Márcia! Você fez um relato primoroso sobre o cotidiano das cidades interioranas, onde o tempo se arrasta e dá margem a muitas "historinhas" sobre a vida alheia. Mas, também tem o seu lado bom,estas cidades são mais acolhedoras, mais seguras, o transito flui, as pessoas tem menos pressa e podem se relacionar melhor com outras pessoas. Embora goste muito da vida que levo, tenho saudades dessa vida pacata.
ResponderExcluirOpa, obrigada!!!
ResponderExcluirPois cidade do interior é uma delícia, mesmo. Tanta coisa boa!
Mas vi que tem coisas não mto agradáveis que persistem, mesmo em lugares tão diferentes e distantes.
Um beijo grande =****
credo, ter filho pra ocupar o tempo... =/ mas afora isso... EU QUERO IR PRA 3 DE MAIO! *.*
ResponderExcluirho ho ho
Sempre belas palavras para descrever o cotidiano!
ResponderExcluirTem esse lado 'ruim' da vida vida de interior, realmente mais 'complicada' para quem não gosta de proximidade, mas encantadora para quem adora o calor do contato com o próximo. Apesar de ter a vida mais agitada, minha alma é eternamente enamorada dos "interiores". As vezes o interior assusta, vai ver é até por causa do nome... nos leva sempre a olhar mais para o 'interior' (?).
Meu primeiro comentário, de todos os que farei por aqui, te acompanhando como sempre, moro!
O interior [por ser menor] faz com que as ações, as percepções e os modos fiquem ampliados. Tudo é mais visto e expressivo por causa dessa proximidade e desse conhecimento. E isso é mesmo até bom. Porque em cidades grandes isso tbm acontece, só que se perde no meio de muita coisa. E nem percebemos. Coisas, coisas e coisas. Só vivendo mesmo pra saber.
ResponderExcluirPS.: espero todas vcs em Três de Maio sim. Aqui é uma delícia de se morar. E tou aprendendo mto tbm. =)
Márcinha, adoro ler teus textos! Agora, "Aqui no interior é assim, não tem muito o que fazer. Ou vai morar fora e estuda ou faz que nem eu...casa e tem filho pra ocupar o tempo".
ResponderExcluirAinda bem que moramos fora e estudamos/trabalhamos!
Mais pra frente a gente pensa em casar e ter filhos pra ocupar o tempo, né?!
Sabe que to quase arrumando um canto em algum interior. Vou teee contar. eeheh
ResponderExcluirPS: essa tua prima deve ser O máximo!
Pilar! Assim como existe o engolidor de espada, eis aqui o engolidor de pontos e virgulas.Talvez eu seja um Saramago e eu ainda não me descobri, quem sabe seja a reecanação do Quintana, vai sabe...portanto não me analise com o que escrevo...porque são apenas palavrinhas. Boa viagem vivente.
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